Aliás, começa logo por ser interessante que, de todos os aspectos focados ao longo do filme, MB escolha para a ‘estocada final’ os três aspectos mais controversos: a relação com o pai, as cirurgias plásticas à cara, e a relação de MJ com as crianças que são convidadas para Neverland. De fora fica, por exemplo, o relacionamento de MJ com os filhos e as respectivas mães, o que é estranho tanto mais que MB tinha-se mostrado, num comentário em off, preocupado com o tipo de relacionamento entre MJ e os filhos.
Há uma coisa que resulta mais ou menos óbvia: sem querer fazer análises psicanalíticas primárias, a “wackyness” do MJ tem sobretudo a ver com o facto de ele não ter tido uma infância e uma adolescência normais (sempre dedicadas, de forma intensa e quase forçada, ao trabalho na carreira), e com o facto de ele ter dinheiro suficiente para realizar, acto imediato, todos os desejos que lhe passam pela cabeça. Este aspecto, aliás, é curioso, pois todos nós já desejámos ardentemente ter todo o dinheiro do mundo de forma a podermos ter tudo o que nos passasse pela cabeça. Bom, o resultado é aquele! As imagens de MJ a passear por uma loja de decoração, seguido pelo MB e pelo gerente da loja que não parava de esfregar as mãos, são significativas: MJ quase sem parar, vai apontando e dizendo: “I’ll have this, and this, and this”. Pára a olhar um quadro durante uns segundos, pergunta se é o Apolo a tomar banho, e conclui: ‘levo. E o debaixo também’...
Agora o que para mim foi mais surpreendente no filme, é que o discurso do MJ é a coisa com mais sentido que se possa imaginar. Posto perante a suspeita de que a razão porque ele leva miúdos a dormir no quarto tem a ver com qualquer coisa sexual, ele choca-se com a mera ideia dessa possibilidade e arranca um discurso que, analisado per si, faz todo o sentido. Realmente, que mal há em um adulto partilhar um quarto (e eventualmente uma cama) com uma criança?! Ou seja, porque é nos recusamos a aceitar a possibilidade de uma relação entre um adulto e uma criança que seja, não só ‘des-sexualizada’, como seja mesmo destituída de qualquer ascendência de poder. Mas este é apenas um dos casos em que a candura do MJ é verdadeiramente desarmante. O que o tipo diz, as coisas que ele diz, podiam ser ditas por qualquer pessoa. Aliás as coisas que ele diz deveriam ser ditas por qualquer pessoa bondosa, destituída de cinismo! O amor pelos outros, a comunhão com a natureza, não deixarmos morrer a criança que há em nós, a fé em deus... Porque raio é que nós achamos que o gajo é doido?
Quando ele diz que se identifica com o Peter Pan, isso em si não constitui um facto “weird”. Qualquer um de nós se pode identificar com o Peter Pan, ou com O Princepezinho, aliás isso acontece com muitos de nós: ir buscar a essas figuras infantis uma certa filosofia simples, pura, não contaminada, para nos ajudar a reflectir a nossa relação com o mundo e com os outros. O que faz a diferença é que, a maior parte de nós, não tem os meios para concretizar esses ideais, e depois escusamo-nos com essa falta de meios para justificarmos termos atitudes na vida quotidiana nada consentâneos com esses ideais: pois, eu se pudesse convidava os meninos pobrezinhos todos e levava-os à Feira Popular! Lá está: é isso que o Wacko faz! E depois leva-os para casa, dá-lhes milk & cookies, e acampa com eles lá em casa!
Não sei se esta minha reflexão leva a algum lado, ou mesmo se faz sentido. Provavelmente não. Mas o que me apeteceu registar foi mesmo a descoberta de que o MJ, afinal, na intimidade, só é mais louco do que nós porque, enquanto a maior parte de nós prega uma coisa e faz outra completamente diferente, o tipo prega e a seguir, graças à incomensurável fortuna, põe isso em prática.