Toda a apresentação (a própria cantora evita chamar-lhe show) é um encadeado de palavras, ditas ou cantadas, poemas integrais ou trechos, por vezes muito breves, que se sucedem e intercalam, uns chamando outros, referências, convocatórias, apelos, chamamentos. Alguns são reconhecíveis em Bethânia, acompanham-na desde sempre, outros são revelações (aprende-se muito neste espectáculo, só é pena o roteiro não ser distribuído pelo público, seria tão mais enriquecedor). Dois músicos, Jaime Além nos violões e Reginaldo Vargas na percussão, dão ressonância à voz.
Os temas são os de sempre em Bethânia, o sagrado e o profano, o erudito e o popular. Portugal não podia deixar de comparecer, é claro: o fado, Pessoa, Campos e Alberto Caeiro, Sophia. E José Craveirinha, com Quero Ser Tambor que nunca me soou tão certo. E que emocionante que é ouvir “o silêncio amargo da Mafalala” no palco da Figueira, dito com sotaque brasileiro.
Foi a terceira vez que vi a Bethânia ao vivo, e de todas as vezes senti que estava a participar de uma liturgia, que o palco do teatro era o altar de uma celebração misteriosa e sublime, e que alguma coisa de muito simples e essencial nos é revelado na voz da sacerdotisa.