Nestes últimos dias tenho passado por um período escuro desses. Uma daquelas coisas que fortuitamente encontramos quando andamos à procura de outra coisa num motor de busca, trouxe-me à memória pessoas e situações que aconteceram ou atravessaram a minha vida há muito tempo, e que me fizeram reavivar e reviver sentimentos de insegurança, aos quais, na altura, e tanto quanto me lembro, consegui resistir, mas que agora, quando me lembro deles, parece que me colocam em crise, porque só consigo olhar para eles, ou melhor senti-los, como oportunidades cobardemente perdidas.
Se calhar tem a ver com a chamada meia-idade, este exercício de olharmos para o passado distante e mapear essas circunstâncias em que, vistas daqui, nos cruzámos com uma oportunidade desconhecida e demos um pequeno encontrão, um breve choque de ombros, com uma promessa de felicidade.
A verdade é que vidas e vidas já se passaram depois disso. Aquilo que era eu nessa altura já morreu, e eu renasci de uma maneira necessariamente diferente. Houve aqueles cuja memória foi morrendo devagar, ao sabor do tempo e da distância. E houve quem tenha morrido mesmo, definitivamente, e se calhar o facto de a morte ter resgatado tantas dúvidas e segredos, aumenta o desvão de incerteza e insegurança.
Mas há dias luminosos e noites gloriosas lá atrás. Há tardes passadas a ler, os corpos estiraçados em bancos corridos, livro numa mão, cigarro na outra, o cinzeiro equilibrado no peito, a porta da caravana a bater ou a abrir-se para uma epifania de sol e de campo. Há noites penduradas no alto do balcão dum cinema, sessões atrás de sessões, sempre nas mesmas filas, mais à frente ou mais atrás, conversas trocadas, intervalos a fumar na varanda aberta sobre a copa das árvores da avenida.
Uma vez vi um filme, inconfessável, em que uma voz anunciava em tom dourado: it seems such a long time ago. Tudo me parece demasiado distante e inacessível. Mas há quase uma urgência, uma ânsia, em mergulhar dentro do peito e ir tocar, só tocar, esses lugares escuros que continuam a pulsar.