Seja como for, foi uma belíssima oportunidade de tomar contacto com um dos meus autores preferidos, e de ouvir algumas histórias fantásticas. Como a que ele contou de ter descoberto no âmbito da investigação histórica que uma determinada pessoa, muito conceituada pelos seus colegas por actividades em prol da luta de libertação de Moçambique, tinha sido afinal informador da polícia política colonial, e dos problemas éticos que essa descoberta lhe suscitou.
A seguir ao Por Outro Lado, o canal 2 transmitiu o segundo episódio de The L Word, uma série quentíssima, que é assim uma mistura de Sex and the City e de Queer as Folk. Realmente um tipo como eu, já de uma certa idade, e com memória de como as coisas se passavam aqui há uns anos, fica um bocado pasmado a olhar para a ousadia com que a televisão, redutora como é a um certo mínimo denominador comum do gosto e da moral, olha para um grupo de lésbicas americanas, tentando perceber, e é aqui que a série é notável, como é que as relações amorosas e de amizade se estruturam e evoluem num contexto predominantemente homossexual. É essa, na minha opinião, a mais valia desta série. Entre os restantes, e abundantes, motivos de interesse, saliento as presenças da Jennifer Beals ('what a feeeeeeling') e da Pam Grier. A série passa todas as noites, por volta das 00:15 e é 'unmissable'.
Passamos agora à montra de livros, para registar duas leituras recentes: mais um volume do Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, que eu contínuo a ler para recuperar a adolescência desperdiçada. E a biografia de António Variações, Entre Braga e Nova Iorque, escrita por Manuela Gonzaga. Saudando embora a oportunidade desta publicação, e reconhecendo o trabalho de pesquisa e recolha de fontes da autora, acho que o livro peca por falha de perspectiva. Talvez tenha a ver com o facto de Variações ser uma pessoa muito secreta e misteriosa, talvez ainda com o facto de, como decorre do livro, as pessoas que o conheciam e que prestam depoimentos apenas conhecerem um determinado aspecto da sua personalidade e da sua vida; talvez isso tudo tenha influenciado, mas o certo que é que Variações não surge mais iluminado, mais nítido, neste retrato que Manuela Gonzaga pretendeu fazer, e que foi um claro 'labour of love'. Não pretendo, como é óbvio, uma biografia que 'explique' o Variações, que seja a sua biografia oficial e institucional, ou sequer um Variações Behind Close Doors. Não é disso que se trata. Apenas pretendia que este retrato tivesse mais perspectiva, se se quiser até mais subjectivismo, que fosse Variações como a autora o vê, e, não, como de certo modo acontece, o cruzamento dos vários Variações que resultam de tantas perspectivas. Note-se que eu percebo que isso se calhar foi intencional, e que esse cruzamento de olhares eventualmente até enriqueceria o retrato. Mas isso só acontece quanto mais sólido for o olhar do autor da biografia, e, na minha humilíssima opinião, não é isso que acontece neste livro. Que, volto a repetir, é um óbvio trabalho de amor, e só por isso já suscitaria todo o carinho e todo o respeito.
Hoje é 21 de Junho, dia de solstício. De Verão ou de Inverno, conforme o hemisfério de onde olhamos o sol quando ele se senta a descansar no ponto mais afastado do equador. Neste dia, o poema que sempre me sobe aos olhos é a Arte de Navegar, do Eugénio de Andrade:
Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,
e a noite se faz barco,
e minha mão marinheiro.