O fim de semana que passou rendeu muito em termos de leituras. E com o bom tempo, deu para fazer a minha actividade de verão favorita: ler nas esplanadas.

No sábado acabei a leitura de Homer & Langley, de E.L. Doctorow. O livro baseia-se na história verídica de dois irmãos que viveram, na primeira metade do século XX, em Manhattan, acima do Central Park, e que era hoarders, ou seja, coleccionavam em casa toda a espécie de lixo, ao ponto de terem sido verdadeiramente vítimas de toda a tralha que acumularam.
Doctorow pega nesta história de base, dá-lhe a volta da ficção (nomeadamente invertendo a ordem de nascimento dos irmãos, ou alterando a natureza da cegueira de Homer, o narrador do livro), estende-a até aos anos oitenta, e traça um poderoso e magnífico retrato do século XX americano, visto por quem escolheu viver fora dele, mas, de certo modo, fascinado pelos seus detritos.
A escrita é irrepreensível, e Doctorow leva-nos através de uma narrativa que nunca conseguimos decidir se é o mais libertador e radical dos sonhos ou o mais horrível e angustiante dos pesadelos. Apesar do negrume, o livro não é triste nem deprimente, mas é implacável no seu olhar sobre a América e o capitalismo das grandes corporações, contrabalançado por uma certa pureza e até candura da voz do narrador.

No domingo li The Testament of Mary, um livro magnífico do Colm Tóibín. Como o título deixa adivinhar, trata-se de uma espécie de evangelho segundo a mãe de Jesus, e o resultado, às mãos subtís e eficientes do autor, só poderia ser uma obra extraordinária.
Claro que uma análise mais superficial poderia levar a pensar tratar-se de um livro blasfemo, ao narrar, na primeira pessoa, a história de uma mãe que não vê nada de divino naquilo em que o filho se tornou, e que percebe, com horror e com desamparo, que esse caminho só o poderá levar ao sofrimento e à destruição, e à mais dura das provas do seu próprio amor de mãe.
Mas Tóibín evita esse caminho, e prefere pôr toda a tónica do livro, de resto um pouco no seguimento de alguns dos contos que integraram o seu livro Mães e Filhos, na dor e na angústia da mãe, na sua perturbação, e até no facto de a história que ela conta poder não ser bem assim, ser já o resultado da confusão da velhice e do medo. Maria é, neste livro de Tóibín, uma mãe em sofrimento pelo seu filho, mas também atormentada pelas suas próprias decisões no passado, por não ter feito, de maneira radical, tudo o que podia para ter salvo o seu filho, ou pelo menos para salvar-se a si própria da culpa e do remorso.
Não foi de propósito, tem obviamente qualquer relevo, mas não deixou de ser uma coincidência interessante ler este livro no dia da mãe, quando ele oferece precisamente uma reflexão sobre a relação entre a maternidade e o divino.