Nos últimos quatro ou cinco meses devo ter passado, por junto e de maneira fragmentada, um mês em casa. O resto do tempo passei-o em hospitais, a fazer tratamentos prolongados com antibióticos muito potentes, culminando com uma intervenção cirúrgica tecnicamente complicada, nas últimas duas semanas. E o percurso não vai ficar por aqui.
Esta semana, apanhou-me na cama do hospital a notícia da morte do meu irmão, a milhares e milhares de quilómetros de distância, e que me deixou vazio, mas também perturbado com os efeitos cruelmente complexos que uma notícia devastadora tem quando nos debatemos, num esforço de gestão de recursos escassíssimos, com a nossa própria auto sobrevivência.
Tenho a impressão de que sou, eu próprio e também esse outro que aqui se vai escrevendo, apenas a memória, a sombra, de quem fui até há sete ou doze meses atrás. E sinto, além disso, uma estranha distância de todos aqueles que nem suspeitam de que há de facto um inferno pessoal. Um inferno mesmo, a sério, longe daquela estreita nesga através da qual espreitamos angustiados o espelho do mundo.
E no entanto confio ainda, quem sabe de maneira inconsciente ou alienada, na expectante alegria dos recomeços.
Abraço apertado.
Lamento tanto querido Miguel, por tudo, pelo teu irmão, por te saber tanto tempo doente, pela cirurgia, pela distância. Abraço forte. *