Os meus pais casaram há 61 anos, naquele que era o dia da cidade de Lourenço Marques e que, tanto quanto sei, continua a ser feriado em Moçambique. Ano passado ainda estávamos juntos os três, apesar de em condições muito difíceis, por causa da acentuada demência do meu pai. Em poucos meses, a doença da minha mãe agravou muito, o que, há um ano, não me passaria pela cabeça que pudesse acontecer; sabia que ela tinha uma doença muito grave, mas acreditava que a sua evolução seria muito lenta, e que o verdadeiro perigo, no seu caso, havia de chegar por causa da insuficiência cardio-respiratória.
O facto é que um ano depois a minha mãe já partiu, o meu pai está internado, num processo de progressivo oblívio da sua memória e das suas referências, a data diz pouco à restante família, que nem se lembra, e apenas a minha memória guarda e celebra, com comoção e um misto de alegria e tristeza, este dia. Que é importante, porque foram muitos anos de vida em comum; os meus pais viveram muita coisa, muitos revezes da vida, mas também muitas alegrias. Sempre tiveram, acho eu, e embora nem sempre de uma maneira muito clara, vontade e prazer em gozar a vida, e souberam, mesmo em períodos muito complicados, fazer coisas apenas pelo gozo de as fazerem juntos.
Suponho que, vistos à distância da memória, foram um casal feliz. Embora em ambos tenham sempre convivido, ainda que de maneiras diferentes, muito diferentes, sentimentos contraditórios: o amor que viveram era-lhes muito compensador, mas ambos sentiam alguma frustração por esse amor de certo modo lhes ter limitado tudo o que desejavam para as suas próprias vidas. Mas tenho consciência de que se calhar, neste aspecto, e apesar de os conhecer muito bem, estou um bocado a inventar; mas sinceramente, penso que não.
Os últimos cinco anos da sua vida comum foram muito complicados, apesar de eu ter tentado tudo o que creio ter sido possível, para amenizar essas dificuldades, sobretudo para a minha mãe, e tentar dar-lhe algumas alegrias que a compensassem dessas difíceis complicações. E foram tão difíceis que, progressivamente, e depois de termos feito uma bela festa quando foram as bodas de ouro, em 2004, a data foi ganhando um certo sabor agri-doce. Por isso faço em esforço para tentar resgatar a alegria e a celebração dessa festa, quando nem tínhamos consciência de que o abismo estava tão perto. E enquanto tiver memória, espero continuar a celebrar.
Sabes que isto com idade refina e mesmo sem haver o factor doença, a convivência não é fácil. Mais vale, como dizes, recordar os bons anos.
Abraço
quanto aos homens, acho só que estão mais infantilizados (as mães, como não se podiam divorciar, transferiam para os filhos todo o amor que tinham para dar e tratavam-nos como eternos bebés) e que se cansam ao primeiro contratempo, e desatam a correr atrás de um brinquedo novo
:)
Comentário
O teu post apesar de conter uma história muito pessoal, em que partilhas o que sentes, não deixei de sentir uma tristeza, que faz parte da vida, o avançar do tempo e a idade a ir juntamente com ele devolvendo a todos nós, pequenas contrariedades que nos marcam e nos deixam presos a memórias, umas boas e outras más.
Também espero enquanto tiver memória de continuar a celebrar os bons momentos que tenho vivido. :D
Re: Comentário
e tens razão, sim, a tristeza faz parte da vida, precisamos de a saber aceitar e conviver com ela. e assim como não precisamos de ficar eufóricos quando nos acontece algo de bom (basta ficar muito contente eheh), também não precisamos de nos deprimir quando acontece uma coisa muito triste.
parece-me que depende muito do feitio de cada um, mas como eu sou um bocado melancólico (ou pelo menos tenho dias...) gosto de cultivar as memórias, sobretudo das coisas boas que a vida e os outros me deram.